Depressão - parte 2

06/07/2015 11:21

Depressão - Parte 2

A partir da minha experiência no atendimento clínico e enquanto fui escrevendo a primeira parte dos artigos sobre depressão uma pergunta bate à porta da minha consciência e não se cala: “porque tantas pessoas veem alguns sentimentos como negativos?” - E esse foi o tema das minhas pesquisas e aqui trago os resultados.

Sentimentos

Procurando na literatura existem diferenças de conceito entre sentimento, emoção e afetividade, há variação de grau, origem e intensidade. No entanto, aqui eu usarei esses termos como sinônimos para simplificar o entendimento. E se houver necessidade, explorarei as diferenças em outro artigo.

Os sentimentos são o que dá “vida as experiências que temos”, são eles que fazem uma experiência ter cor, brilho e calor, sem eles nossas experiências se tornam vazias. Todo sentimento vem a partir de ou acompanhado de um pensamento, que pode ser negativo ou positivo – “vai dar certo” ou “sou um fracasso”. E com isso, temos uma reação física, como dor de cabeça, aumento ou baixa dos batimentos cardíacos, suor, tremedeira, agitação física, etc.. São vivenciados como agradáveis ou desagradáveis, prazerosos ou dolorosos. (DALGALARRONDO)

A Análise Transacional aprofunda o estudo dos sentimentos e da complexidade dos resultados da não permissão em sentir. Existem quatro sentimentos básicos inerentes à raça humana: alegria, tristeza, medo e raiva. Esses são sentimentos autênticos que se observarmos uma criança pequena, veremos a manifestação deles. Durante o processo de educação, na família, é permitido sentir e manifestar alguns sentimentos e outros não, por exemplo, uma família em que as meninas não podem manifestar tristeza ou uma família em que os meninos não podem manifestar o medo. A não permissão do sentimento gera uma estratégia para “aquilo” ser expresso de alguma outra forma e é aí que as coisas acontecem... (KERTÉSZ, 1987)

Aqui, quero chamar atenção para um fato, nenhum autor durante minhas pesquisas escreveu que sentir algo é bom ou ruim, certo ou errado, pelo contrário, no parágrafo acima há uma afirmação que esses sentimentos “negativos” raiva, tristeza e medo, são e serão naturais em cada um de nós. Talvez o que mude é o que fazemos com eles.

Acredito que cada leitor tenha pelo menos um exemplo de um sentimento não permitido dentro de sua família, os exemplos são infinitos e alguns bastante complexos... mas, vamos a um exemplo simples. Uma família onde as meninas não podem sentir raiva, pois a raiva e suas variadas formas de expressão são “feios” para uma menininha. Então imaginemos que um amiguinho deu um “pisão” no pé dessa menina, ela vai ficar com raiva e vai revidar de alguma forma, mas seus pais ou professores chamam sua atenção e dizem que é muito feio uma menina agir dessa forma, que ela deve se comportar melhor... e com o tempo ela aprende que deve “engolir” sua raiva. E o que acontece quando essa menina sente raiva e não tem permissão para senti-la e manifestá-la?

Ela mascara esse sentimento e demonstra outro (o que chamamos de disfarce), por exemplo, após levar o “pisão” no pé ao invés de revidar, se proteger, ela demonstra uma profunda tristeza e ressentimento pelo que aconteceu. Ao longo do tempo em todas as situações onde ela deveria se proteger, se impor, colocar limites, falar não, etc. a cada situação sua infelicidade aumenta, pois sempre estão a maltratando e ela não acredita que possa mudar isso.

Esse exemplo pode nos levar a refletir se realmente estamos agindo de acordo com o que sentimos ou estamos mascarando nossos sentimentos por qualquer motivo. Uma boa dica para identificar é pensar se houve ou há situações/ problemas diante dos quais “explodimos” sem que houvesse necessidade para tanto. Ou, se em determinadas circunstâncias sentimos fortes dores físicas sem que exista uma causa orgânica.

E porque mascarar um sentimento autêntico traz tantas consequências? O que faz com que haja alívio de um sentimento é poder expressá-lo. É apenas quando um pensamento, um sentimento e uma ação são congruentes é que há alívio. Quando mascaramos e demonstramos outra coisa, mesmo que exageradamente, não há diminuição da tensão. Isso não significa que quando uma pessoa sente raiva ela vai matar alguém, mas significa que ela pode falar e agir levando em conta seu sentimento.

Então, quando você estiver triste, com raiva, com medo, alegre permita-se vivenciar esse sentimento da forma mais íntegra que você puder, pois temos o direito de sentir e expressar o que estamos sentindo.

Para finalizar, os sentimentos não são negativos e nem positivos... negativo ou positivo é aquilo que nós fazemos com ele...

Por Fernanda Visciani
CRP 06/117697
Celular: 98193-8024

Revisão Jussara Pontes Cortez
Celular: 99990-7164

Referências Bibliográficas:

DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Artmed, 2008.

HARRIS, Thomas A.. Eu estou ok, você está ok. Artenova, 1980.

KERTÉSZ, Roberto. Análise Transacional ao vivo. Summus, 1987.

MESSAS, Guilherme Peres. Psicopatologia fenomenológica contemporânea. Roca, 2008.

OLIVEIRA, Marco Antonio. Reflexões sobre Eric Berne. 1980.

SHINYASHIKI, Roberto. A carícia essencial - uma psicologia do afeto. Gente, 1988.

STEINER, Claude. Os papéis que vivemos na vida. Artenova, 1976.

 

 

 

Comentários: Depressão - parte 2

Expressão de sentimentos x "bons modos"

Josué 17/07/2015
Fernanda, diante da conclusão de que é mais saudável expressar nossos sentimentos, independente do rótulo "positivo" ou "negativo", como poderíamos fazer isso sem colidir com as ditas normas sociais que nos levam a crer que a contenção das emoções seria um sinal de boa educação? Teríamos que correr o risco de sermos considerados transgressores sociais, ou seria possível encontrar um grau adequado de expressão que, ao mesmo tempo nos faça bem, sem causar tanta comoção nas pessoas que por "norma" defendem a repressão emocional?

Re:Expressão de sentimentos x "bons modos"

Fernanda Visciani 20/07/2015
Olá Josué!
Seja bem-vindo!
Mas uma vez, obrigada pela participação!
A duas alternativas são possíveis... podemos sim, aprender a demonstrar o que sentimos sem repressão e sem "machucar" as pessoas, isso envolve muito autoconhecimento e o desenvolvimento da inteligência emocional. Entender o que eu sinto e o que posso fazer com esse sentimento é importante - todos os seres humanos têm raiva e força suficiente para matar, porém ninguém precisa matar o chefe, a esposa/marido, etc. porque está com raiva; dá para entrar em um acordo interno com o sentimento e escolher uma opção de demonstração sem causar danos (a si e aos outros).
E em situações mais ameaçadoras, onde o ambiente é tão tóxico que não há o que fazer, ser transgressivo é importante... é como uma situação onde você deve escolher lutar ou fugir. Aqui o autoconhecimento também é muito importante, pois quantas pessoas hoje percebem que seu trabalho, por exemplo, "está matando", mas não faz nada para mudar a situação; transgredir a ideação social de "você ganha bem e deve continuar nesse trabalho" é muito importante nesses casos.

Re:Re:Expressão de sentimentos x "bons modos"

Josué 20/07/2015
Obrigado por sua resposta! Gostei.

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